Servir e proteger. Nem sempre é assim. Quando acontece o inverso, o primeiro sentimento é de total decepção. Desaba a crença de que todos, homens ou mulheres, são dignos de honrar e respeitar a farda que vestem. Porém, a frustração logo se transforma em vigor. “Fortaleço meus princípios e renovo minhas energias para mostrar à sociedade que não toleramos desvios de conduta. Para os que ferem nossos valores, todos os rigores da lei”. As palavras são do comandante geral da Polícia Militar do Rio Grande do Norte, coronel Francisco Araújo Silva, ao analisar na manhã de ontem a vergonha causada por mais dois de seus comandados – dois soldados presos ao serem autuados em flagrante por tentativa de extorsão, formação de quadrilha e falsidade ideológica.
E a lei, de fato, é severa para os que juraram cumpri-la e defendê-la. Somente nestes últimos três anos, segundo a própria PM, 147 policiais foram expulsos após a comprovação de terem sucumbido à criminalidade. Homicídio, assalto, tráfico de drogas, extorsão e estupro são os mais comuns praticados pelos militares excluídos da corporação. Deste total, 104 jogaram a carreira no lixo em 2009, mais 20 foram postos pra fora da PM em 2010 e, por fim, ao longo deste ano, outros 23 também foram obrigados a devolver a farda que um dia juraram glorificar.
A expulsão, no seio da corporação policial, é o extremo. Contudo, há outras punições que, a depender da gravidade do delito, antecedem à própria licenciatura definitiva. De acordo com a Assessoria Administrativa, órgão interno que atua como um fórum judicial, mais de 50 sindicâncias, todas instauradas este ano, estão analisando transgressões disciplinares. Também foram abertos mais de 65 inquéritos policiais militares, conhecidos como IPMs. São processos que apuram a autoria e a materialidade dos crimes praticados.
Na sequencia, comprovada a transgressão do acusado, dependendo do tempo de serviço, ele vai se deparar com duas situações distintas. Contudo, em ambas, uma junta formada por três oficiais sorteados avaliará se ele deve ou não permanecer na corporação.
A primeira, leva à abertura de um Processo Administrativo Disciplinar, o PAD, que é destinado ao policial que possui menos de 10 anos de farda. Neste caso, foram 25 processos instaurados este ano. A segunda situação, e não menos severo, é o Conselho Disciplinar (CD), onde apenas os militares com mais de 10 anos de carreira são julgados. Ao todo, em 2011, foram 87 casos instaurados.
“Quem julga o crime, propriamente dito, é a justiça comum. O que avaliamos é a conduta ética, moral, o pundonor militar, o decoro da classe”, ressaltou o comandante, acrescentando que, a todos os acusados, é garantido o total e amplo direito à defesa e ao contraditório. “Todos têm este direito. Não há exceção”.
Além dos procedimentos disciplinares instaurados, atualmente 20 policiais encontra-se encarcerados ou detidos em unidades policiais ou prisionais do estado.
A culpa não é da falta de dinheiro; é da índole do homem
Coronel Francisco Araújo, comandante
geral da PM
Antes de tentar explicar o que poderia motivar um policial militar a ingressar no mundo do crime, o coronel Araújo fez questão de uma ressalva. Segundo o comandante, nenhum órgão, secretaria ou instituição ligada direta ou indiretamente ao governo demite, exonera ou licencia tanto quanto a PM. “Pode comparar. Temos aproximadamente 10 mil homens. E assim como em todas as categorias, existem os bons e os maus profissionais. Mas, felizmente, os maus ainda representam muito pouco em nosso universo”.
Quanto a tentar explicar as razões que levam um policial aos desvios de conduta, o comandante foi enfático. Para ele, não é o valor do salário, uma crise financeira ou a formação profissional que resulta numa transgressão, mas sim a natureza do homem. “Não entendo de outro jeito. A culpa não é da falta de dinheiro; é da índole da pessoa. É uma questão de caráter. Associado ao ambiente onde vive, o problema está na fraqueza de espírito. E isso é muito difícil de detectar numa entrevista social ou num exame psicológico”, resumiu.
Exemplos emblemáticos
João Grandão, preso no Mato Grosso do Sul
João Grandão - Não há, pelo menos este ano, casos emblemáticos entre os policiais expulsos da corporação. Porém, a recente história potiguar está repleta de maus exemplos, militares que desonraram a farda cinza. A mais noticiada, certamente, é a de João Maria da Costa Peixoto, o João Grandão.
João Grandão ganhou notoriedade em 2005. Ele e o irmão, o sargento Manoel da Costa Peixoto, o Néo, foram apontados como líderes de um grupo de extermínio que atuava na Grande Natal. Ambos foram presos em decorrência da Operação Fronteira, deflagrada pela Polícia Civil após um ano de investigações. Outros 14 policiais também foram indicados. Alguns, inclusive, já respondiam a outros processos por tentativa de homicídio, porte ilegal de armas, tentativa de extorsão e adulteração de veículos. Segundo a polícia, o grupo era suspeito de ter cometido 26 assassinatos.
João Grandão e Néo voltaram a ser detidos em abril de 2009. Ambos se entregaram, mas não para responderem por extermínios. Na ocasião, os irmãos foram acusados pelo Ministério Público pelo assassinato de José Cremildo Fernandes, executado a tiros no dia 26 de dezembro de 2008. Néo, o irmão mais novo, está solto. Foi libertado por força de mandado no dia 26 de agosto do ano passado. O sargento aguarda julgamento trabalhando no setor administrativo da PM. Já João Grandão, cumpre prisão preventiva na Penitenciária Federal de Campo Grande, no Mato Grosso do Sul.
Tenente Gurgel, assassinado
Tenente Gurgel - O tenente Moisés Gurgel Filho, ou simplesmente tenente Gurgel, é outra triste lembrança. Natural de Janduís, o oficial ingressou nas fileiras da PM em março de 1978. Poucos anos depois, acabou condenado, expulso, preso e assassinado.
Condenado a 23 anos de prisão pela morte de um político paraibano, tenente Gurgel também respondia a vários crimes de morte em Natal e região do Alto Oeste potiguar. Depois de expulso, foi apontado como sendo um dos responsáveis pela morte do advogado caraubense Antonino Benevides Carneiro, homicídio registrado em 13 de janeiro de 1992.A expulsão do oficial ocorreu em 8 de julho de 1983, também, em razão dele ter sido acusado de chefiar o Esquadrão da Morte, grupo de extermínio que atuou nos anos 70.
Gurgel negava veementemente seu envolvimento, apesar de também ser apontado como um dos envolvidos na chacina de Viçosa, em 12 de março de 1992, quando foram executados, dentro de uma cela de delegacia, Lindomar Lúcio da Silva e Jailson Monteiro, o famigerado Brinquedo do Cão.A história de Gurgel chegou ao fim no dia 10 de março de 1999, em Parnamirim. Coincidência ou não, quase na mesma data da chacina de Viçosa. Dois homens, identificados na época como Sandro e Gago, o executaram no meio da rua
.Jorge Abafador, preso em Alcaçuz
Jorge Abafador - Jorge Luiz Fernandes, também conhecido como Jorge Abafador, não foi policial militar. Seu caso é citado para lembrar que não apenas os PMs cometem atrocidades, ou seja, os policiais civis também.No dia 15 de outubro de 1998, Abafador foi condenado a 47 anos de prisão ao ser responsabilizado pela Chacina de Mãe Luíza, crime ocorrido no dia 5 de março de 1995. Na ocasião foram assassinados Roberto Nascimento Ferreira e Lucimar Alves da Silva, então grávida de três meses. Quatro crianças, também alvejadas, escaparam por pouco da matança. Uma das sobreviventes reconheceu o policial.
A chacina trouxe à tona diversas denúncias de outros crimes semelhantes, sempre relacionados à extorsão policial nas regiões mais pobres e afastadas da cidade, envolvendo, além do próprio Jorge Abafador, outros policiais civis que na época estavam sob o comando do delegado Maurílio Pinto de Medeiros. O grupo ficou conhecido como Os Meninos de Ouro. Mais de 50 mortes foram atribuídas aos acusados, além de inúmeras denúncias de torturas, espancamentos e arbitrariedades.Jorge Abafador está preso desde o dia 12 de junho de 1995. Atualmente, ocupa uma das celas da Penitenciária Estadual de Alcaçuz.
Fonte: Anderson Barbosa/Novo Jornal
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